PUBLICIDADE DA RESERVA FLORESTAL LEGAL

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PUBLICIDADE DA RESERVA FLORESTAL LEGAL.

Análise da antinomia do Código Florestal com a Lei de Registros Públicos.

Marcelo Augusto Santana de Melo[1]

Resumo: O novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) alterou a criação dos espaços territoriais protegidos ambientalmente com a adoção do sistema cadastral. A reserva florestal legal no código florestal revogado recebia publicidade no Cartório de Registro de Imóveis, facilitando a publicidade do espaço ambiental. A Lei de Registros Públicos, por sua vez, permanece com a possibilidade de averbação da reserva florestal, suscitando dúvida com relação à permanência ou não da publicidade registral. O intuito do presente estudo é analisar a antinomia apresentada e, uma vez constatada, aplicar os critérios normativos visando à resolução da incompatibilidade.

Palavras-chaves: Código Florestal. Direito Ambiental. Direito Civil. Propriedade imobiliária. Registro de Imóveis. Antinomia.  

Abstract:The new Forest Code (Law No. 12.651/2012) changed the creation of environmentally protected territorial spaces with the adoption of the cadastral system. The legal forest reserve in the revoked forest code received publicity in the Real Estate Registry Office, facilitating the publicity of the environmental space. The Public Records Law, in turn, remains with the possibility of endorsement of the forest reserve, raising doubts as to the permanence or not of the publicity register. The purpose of the present study is to analyze the antinomy presented and once found, to apply the normative criteria aiming at the resolution of the incompatibility.

Keywords: Forest Code. Environmental Law. Civil right. Real Estate Property. Real Estate Registration. Antinomy.

SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES. 1 A FUNÇÃO SOCIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS E SUA FUNÇÃO SOCIAL. 1.1 Princípio da publicidade. 1.2 Princípio da especialidade. 2 ANTINOMIAS JURÍDICAS E CONSISTÊNCIA DO SISTEMA.  2 ANTINOMIAS JURÍDICAS E CONSISTÊNCIA DO SISTEMA.  3.1 Critério hierárquico. 3.2 Critério cronológico. 3.3 Critério da especialidade. 3.4 Resolução da antinomia real. CONCLUSÃO.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes da promulgação do novo Código Florestal, o legislador expressamente conferia duas formas de publicidade para a reserva florestal legal: a legal, que é a presunção de que a reserva existe na porcentagem estabelecida; e a registral, que configura a sua exata localização e permite um reforço da publicidade e potencialidade exploratória da área rural. A área da reserva legal era averbada na matrícula do imóvel, no registro de imóveis respectivo, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.[2]

A existência da reserva legal precedia à averbação e especialização no Registro de Imóveis. Uma vez aprovado o projeto no órgão ambiental estadual, o proprietário já ficava vinculado na conservação, preservação ou regeneração do espaço florestal.[3]

O Registro de Imóveis operava como reforço de uma publicidade já criada ou definida em outros meios. Importante lembrar que muitas restrições administrativas, agora definidas como espaços territoriais especialmente protegidos,[4] já possuem publicidade decorrente da própria lei que as constituiu. Porém, para segurança jurídica e cumprimento de obrigações decorrentes da limitação, seria aconselhável não se confiar somente na publicidade legal, mas também na publicidade imobiliária, para dar conhecimento e vincular definitivamente futuros adquirentes.[5]

Com a revogação total do Código Florestal de 1965 e criação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, foi suscitada dúvida com relação à publicidade ou não das áreas de reserva florestal legal nas respectivas matrículas dos Cartórios de Registro de Imóveis, principalmente porque não existiu revogação expressa do dispositivo legal da Lei nº 6.015/73, que também previa a averbação da reserva legal no Registro de Imóveis (art. 167, II, 22), criando-se, assim, uma antinomia cuja natureza jurídica iremos analisar no presente estudo.

1 A FUNÇÃO SOCIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS

A Constituição Federal ao instituir em cláusula pétrea a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), ao estabelecer a função social das cidades (art. 182) e declarando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), atribuiu ao Registro de Imóveis características que outrora não possuía. Dentre elas, está a necessidade de incorporação do conceito de função social da propriedade e do meio ambiente, percepção claramente observada pelo legislador no Estatuto da Cidade e na legislação ambiental. Nesse aspecto, o Registro de Imóveis tem sido utilizado estrategicamente para potencializar a função social da propriedade.

A segurança jurídica requer uma certeza nas regras do direito, exigindo sua publicidade. Pensando na segurança nas transações de bens imóveis, qualquer informação que possa limitar o direito de propriedade deve constar do fólio real sob pena de abalar o sistema de transmissão de propriedade. Na proteção do meio ambiente torna-se impossível não se restringir ou regular uso da propriedade, porém, a publicidade das restrições não está perfeitamente delimitada em nosso direito, merecendo estudo nesse sentido para que a segurança jurídica, pilar de nosso direito, não seja ameaçada.

Nesse sentido são os ensinamentos do Registrador espanhol Mariano Va Aguaviva, na introdução do Expert córner report publicado em 1 de outubro de 2002, denominado El Registro de la Propriedad y Mercantil como instrumento al servicio de la sostenibilidad realizado pelo Colégio de Registradores da Espanha para a Agência Europea de Meio Ambiente:

Es de interés general y la sociedad debe exigir que tales situaciones sean publicadas no sólo por el principio de seguridad jurídica general, sino además por la matéria específica, medio ambiente, que precisa de especial atención y protección ‘un alto nível de protección y de mejora de la calidad Del medio ambiente’, artículo 1.2 del Tratado CE basado en el principio de cautela y acción preventiva, artículo 174.2 del Tratado CE, que ineludiblemente requiere de una precisa información y publicidad con efectos jurídicos y que puede obtenerse mediante el Registro de la Propiedad.[6]

É cediço que o Registro de Imóveis possui princípios jurídicos sólidos e que não poderão dar espaço a regras que abalem sua estrutura, de forma que para tornar efetiva a publicidade ambiental, devemos nos valer dos mecanismos já vigentes no sistema registrário. Tomado esse cuidado, analisaremos alguns princípios registrários.

1.1 Princípio da publicidade

A publicidade registral é tida como um dos tesouros mais preciosos do amadurecimento do espírito jurídico, uma nova forma de ser do direito de propriedade sobre o qual se assentam o sistema financeiro, a tutela do crédito e a segurança das transações imobiliárias[7]. Ensina Balbino Filho que “a publicidade é a alma dos registros públicos. É a oportunidade que o legislador quer dar ao povo de conhecer tudo que lhe interessa a respeito de determinados atos. Deixa a par de todo o movimento de pessoas e bens”[8]. Um sistema de publicidade eficaz, como defendia Ruy Barbosa, é a base de uma economia forte, porque ajuda a circulação natural dos bens[9].

A maior ou menor segurança do tráfego jurídico econômico está em função da publicidade, o mesmo que o desenvolvimento do crédito habitacional, que são objetivos de índole econômica desejáveis em uma comunidade bem organizada[10].

A publicidade é uma das características do Registro de Imóveis. Não se pode admitir que um registro tenha eficácia “erga omnes” (contra todos) e ao mesmo tempo seja negada informação ao público em geral. No Registro de Imóveis, a publicidade dos atos por ele praticados é garantida não somente pela própria Lei 6.015/73, como também por norma constitucional (artigo 5.º, inciso XXXIII, CF), devendo ser fornecida certidão para qualquer parte que a solicite, independentemente de identificação[11].

Para nós, quem melhor conceitua publicidade registral é Garcia Garcia. Para ele, “publicidade registral é a exteriorização continuada e organizada de situações jurídicas de transcendência real para produzir cognoscibilidade geral erga omnes e com certos efeitos jurídicos substantivos sobre a situação publicada”[12]. A exteriorização se contrapõe à clandestinidade, mas não se trata de mera aparência, é uma situação aparente qualificada com os efeitos gerados sobre o próprio direito registral no caso do Brasil. O caráter de continuidade se refere à perenidade dos assentos registrários que são conservados, atualmente inclusive de forma eletrônica.

As informações são organizadas e contínuas, formando um verdadeiro estado civil do imóvel. As situações jurídicas publicizadas no Registro de Imóveis são de transcendência real, na maioria das vezes constituindo o próprio direito real e, quando não, nos casos de aquisições originárias ou decorrentes de sucessão, é necessária a publicidade registral para que o atributo da disponibilidade seja potencializado e exteriorizado.

Trata-se de cognoscibilidade, não de conhecimento efetivo. Não se trata de publicar para produzir um conhecimento, mas possibilitar que exista, ou seja, tornar possível esse conhecimento, devendo o acesso à informação ser facilitado por todas as formas, principalmente nos dias de hoje por meio eletrônico. Finalmente, a publicidade tem como consequência a produção de efeitos jurídicos substantivos e materiais sobre a situação publicada, despendendo, obviamente, do sistema registral de cada país.

Com relação à finalidade da publicidade registral, é possível elencar quatro finalidades principais: a segurança jurídica dos direitos e do tráfego imobiliário, porque através da publicidade e da aparência gerada pelo registro resulta numa base jurídica sólida para que o mercado se desenvolva; fomento do crédito territorial, já que com um sistema registral público e que garanta às instituições financeiras estabilidade e confiabilidade dos atos de registro, fica mais fácil a liberação dos créditos, sendo a situação jurídica imobiliária séria, não demandando maiores pesquisas de títulos dominiais, potencializando, então, a redução de juros; evitação de usura e fraude: essa finalidade é justificada pelo fato de a publicidade ser operada e controlada por profissionais de direito concursados, garantindo higidez das bases imobiliárias e controle na segurança contra fraudes; e, por fim, tem uma finalidade cautelar, já que, com o sistema de publicidade registral se cumpre, no âmbito da propriedade e direitos reais sobre imóveis, uma função preventiva ou cautelar, evitando que se proliferem excessivamente as ações, tendo por objeto a discussão de títulos e o próprio registro[13].

O autor português Carlos Ferreira de Almeida qualifica “os registros públicos como os meios mais perfeitos e evoluídos da publicidade, igualando-os mesmo ao conceito técnico-jurídico de publicidade”.[14]

Embora reconheçamos que integra a publicidade a configuração ou imputação dos efeitos jurídicos decorrente do registro, entendemos que se trata de uma consequência lógica imediata da publicidade gerada, mas é preciso afastar a ideia errônea de que a publicidade em si já configura os efeitos, o que deve ser analisado e dissecado em momento ulterior com o estudo dos princípios inerentes aos efeitos gerados pela inscrição do negócio jurídico correspondente. No caso são três: princípios da legitimação, fé-pública registral e inatacabilidade decorrente do registro torrens. Carlos Ferreira de Almeida classifica a publicidade registral, segundo seus efeitos, por meio de três vertentes: a) publicidade-notícia (sem particulares efeitos no ato publicado); b) publicidade declarativa (necessária para que os fatos sejam eficazes em relação a terceiros); c) publicidade constitutiva (indispensável para que os fatos produzam quaisquer efeitos)[15].

O Registro de Imóveis brasileiro, como é cediço, confere a seus atos publicidades distintas, quer para a averbação, quer para o registro em sentido estrito. Para não adentrarmos em espécies de publicidade que não utilizaremos no presente trabalho, restringiremos o estudo apenas à publicidade-notícia.

A publicidade utilizada no direito ambiental é a publicidade-notícia que apresenta pouca eficácia perante terceiros, não apresentando qualquer efeito sobre a eficácia do fato registrado. O legislador conferiu ao Registro de Imóveis na grande maioria das vezes, em matéria ambiental, o reforço de uma publicidade já criada ou definida em outros meios como a reserva florestal legal, áreas contaminadas e área de proteção e recuperação de mananciais.

Muitas restrições administrativas, agora definidas como espaços territoriais especialmente protegidos, já possuem publicidade decorrente da própria lei que as constituiu, porém, para a segurança jurídica e cumprimento de obrigações decorrentes da limitação, seria aconselhável não se confiar somente na publicidade legal, mas também na publicidade imobiliária, para dar conhecimento e vincular definitivamente futuros adquirentes. O homem médio não possui o hábito de leitura de textos legislativos, ainda mais dos três entes políticos, de forma que o sistema jurídico não pode se valer tão-somente dessa publicidade ilusória ou fictícia.

1.2 Princípio da especialidade

De origem doutrinária, esse princípio foi emprestado dos direitos reais de garantia na referência à especialização da hipoteca. Afrânio de Carvalho, com a clareza que lhe é peculiar, afirma que “o princípio de especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado.” [16]

Assim, o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, como o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade territorial.[17]

O art. 176 da Lei 6.015/73 é a expressão do princípio da especialidade, objetivamente exige a identificação do imóvel com todas as suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver; subjetivamente exige a qualificação e identificação completa dos titulares de direito real, principalmente nome, estado civil (e regime de bens), registro geral ou filiação, cadastro fiscal para fins tributários e domicílio.

A Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001 alterou a Lei 6.015/73 e criou uma nova forma descritiva de propriedade imobiliária chamada de georreferenciamento, que utiliza coordenadas geográficas fixadas com o auxílio de satélites para os imóveis rústicos ou rurais, exigindo a identificação dos imóveis rurais por meio desse sistema que será obtido a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA (§ 3º do art. 176). Assim, deu-se início a uma interconexão entre cadastro e registro, inédita no cenário mundial. O registro, além de tecnicamente descrito, corresponderá exatamente à figura geométrica fática.

Uma das principais funções ambientais do Registro de Imóveis é dar publicidade registral erga omnes dos espaços territoriais especialmente protegidos, dentre eles podemos destacar as reservas florestais legais, reservas particulares do patrimônio natural e servidões ambientais. A grande maioria dos espaços protegidos tem a natureza jurídica da limitação administrativa ou ambiental, existe uma restrição à utilização da propriedade imobiliária em seus atributos plenos[18]. A publicidade registral não é constitutiva, é no órgão ambiental que existe a criação. O Registro de Imóveis, como salientamos, opera como reforço de uma publicidade já criada ou definida em outros meios. Importante lembrar que muitas restrições administrativas, agora definidas como espaços territoriais especialmente protegidos, já possuem publicidade decorrente da própria lei que as constituiu. Porém, para segurança jurídica e cumprimento de obrigações decorrentes da limitação, seria aconselhável não se confiar somente na publicidade legal, mas também na publicidade imobiliária, para dar conhecimento e vincular definitivamente futuros adquirentes.

Assim considerando, o Oficial de Registro de Imóveis deve entender que a finalidade da publicidade registral ambiental é espelhar as restrições ambientais inerentes ao direito de propriedade da forma mais exata possível. Mas para que isso ocorra como veremos a comunicação entre registro e cadastro deve ser eficaz. Obviamente surgirão hipóteses em que a especialidade rígida ou exata não será possível, demandando quase uma publicidade mínima da restrição ambiental, quase que existencial, para que num futuro próximo a publicidade completa possa ser atingida.

2 ANTINOMIAS JURÍDICAS E CONSISTÊNCIA DO SISTEMA

A consistência do sistema jurídico deve ser entendida, nas palavras de Ferraz Jr, como a “inocorrência ou a extirpação de antinomias, isto é, da presença simultânea de normas válidas que se excluem mutualmente”.[19] O sistema jurídico, assim, resulta numa harmonização paradoxal na medida em que se admitem lacunas e antinomias e, ao mesmo tempo, em meios para o saneamento da incongruência. O sistema jurídico é aberto e incompleto, resultando em um fenômeno dinâmico e complexo, contendo dimensões normativa, fática e valorativa.[20]

É notória a impossibilidade de o legislador ter conhecimento sobre todas as normas existentes no ordenamento jurídico, de forma que é plausível a existência não somente de lacunas, mas de antinomias, como veremos.[21] Surgindo uma antinomia[22] jurídica, esta requererá um procedimento lógico de correção, “pois sua solução é indispensável para que se mantenha a coerência do sistema jurídico”.[23]

Para Tércio Sampaio Ferraz Jr, antinomia jurídica é a

“oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”.[24]

A antinomia configura, assim, na lição de Maria Helena Diniz, na “presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular”.[25] Norberto Bobbio leciona que antinomia jurídica é “aquela situação que se verifica entre duas normas compatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e com o mesmo âmbito de validade”.[26]

A antinomia pode ser real quando não houver na ordem jurídica critérios para a solução, sendo imprescindível a eliminação de uma das normas do ordenamento jurídico; ou aparente, se os critérios para a solução se encontram na ordem jurídica.

Para que ocorra a antinomia real, será preciso necessariamente a concorrência de três condições que são imprescindíveis: a) incompatibilidade; b) indecidibilidade; e c) necessidade de decisão, pois, segundo Maria Helena Diniz, “o reconhecimento dessa antinomia não excluirá a possibilidade de uma solução efetiva, pela edição de nova norma que escolha uma das normas conflitantes ou pelo emprego, pelo órgão judicante, tendo em vista o critério do justum, da interpretação equitativa ou corretiva, ou seja, dos mecanismos de preenchimento de lacuna, por se tal antinomia uma lacuna de conflito ou colisão (LINDB, arts. 4º e 5º)”.[27]

A antinomia aparente se materializa quando o ordenamento jurídico prevê uma solução ao conflito de normas (conflito aparente), pois a resolução residiria nas próprias normas conflituosas, que deverão ser interpretadas de acordo com caso concreto. O conflito é considerado aparente exatamente por isso, porque, na realidade, não se configura conflito insanável, demandando uma interpretação das normas para se eleger qual prevalecerá ou, ainda, se é possível uma harmonização entre elas.

Os critérios para solucionar uma antinomia aparente integram o ordenamento jurídico; são eles o hierárquico, o cronológico e da especialidade,[28] de forma que, “sendo solucionado o conflito normativo na subsunção por um daqueles critérios, ter-se-á uma simples antinomia aparente”.[29] Não resultando a incongruência normativa numa solução através dos métodos normativos, a integração com o sistema jurídico deverá ocorrer da mesma forma que o saneamento de uma lacuna, porque estaríamos diante de uma lacuna de conflito ou de colisão.[30]

3 INVESTIGAÇÃO E RESOLUÇÃO DA ANTINOMIA

É preciso analisar os critérios normativos descritos na Constituição Federal e Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro para saber se a antinomia apresentada é real ou aparente. Ante o postulado de coerência do sistema, o jurista deve se socorrer a critérios existentes, buscando uma harmonização do sistema jurídico. Embora os critérios estejam suficientemente descritos pela doutrina, nem sempre, como veremos, a resolução se mostra suficientemente clara, resultando na dificuldade em estudar a relevância dos mesmos na resolução do conflito e pertinência da aplicação.

3.1 Critério hierárquico

O critério hierárquico (lex superior derogat legi inferior) tem como fundamento a superioridade de uma norma jurídica sobre outra. Num conflito entre leis de diferentes níveis, a de mais alto nível deve prevalecer.[31] O fundamento do critério hierárquico é decorrência direta da supremacia da Constituição Federal[32] sobre as demais leis e configura, sendo o mais sólido dos critérios (não resultando ser o mesmo mais justo).[33] O critério hierárquico não soluciona a problemática porque as leis em exame são ordinárias, devendo nos ater um pouco mais nos critérios cronológicos e de especialidade para ver se corroboram a compreensão da problemática da publicidade da reserva florestal legal.

3.2 Critério cronológico

Pelo critério cronológico (lex posterior derogat legi priori), significa que, entre duas normas do mesmo nível ou escalão, esta última deverá prevalecer sobre a anterior. Maria Helena Diniz leciona que “a lex posterior apenas será aplicada se o legislador teve o propósito de afastar a anterior. Todavia, nada obsta que tenha tido a intenção de incorporar a nova norma, de modo harmônico, ao direito existente”.[34] O princípio cronológico está previsto na Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro no § 1o do art. 2º: “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

O estudo tem por objeto a investigação da permanência na Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), da possibilidade de averbação da reserva florestal legal (art. 167, II, 22), tendo em vista que a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, não revogou expressamente o dispositivo da Lei de Registros Públicos nem promoveu qualquer alteração, diferentemente de outros diplomas legais, como as leis nos 4.771/1965, 6.938/1981, 7.754/1989 e 11.428/2006.

O dispositivo legislativo é revogado – a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil – quando é incompatível com a nova lei ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Ora, o novo Código Florestal não tratou totalmente da matéria, principalmente de publicidade dos espaços territoriais especialmente protegidos, o que é disciplinado por competência constitucional através de legislação própria, no caso, a Lei nº 6.015/73. No que diz respeito à incompatibilidade, também não verificamos sua incidência porque, como vimos, cadastro e registro possuem funções distintas, e o que houve foi o rompimento obrigatório da publicidade até então operada e a criação de uma nova sistemática, qual seja, da publicidade registral facultativa da reserva florestal legal. A incompatibilidade deverá ser formal, de tal maneira que a execução da nova lei seja “impossível sem destruir a antiga”.[35]

Com muita clareza, Maria Helena Diniz averba que as leis não se revogam por presunção,[36] é preciso que exista uma antinomia gritante; “havendo dúvida, dever-se-á entender que as leis conflitantes são compatíveis, uma vez que a revogação tácita não se presume”.[37] É o que pregava Carlos Maximiliano, ao afirmar que a “incompatibilidade implícita entre duas expressões de direito não se presume; na dúvida, se considerará uma norma conciliável com a outra”.[38]

3.3 Critério da especialidade

Finalmente, resta analisar o critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali). O critério da especialidade é de acentuada importância porque também previsto na Constituição Federal em cláusula pétrea.[39] O caput do art. 5º prevê expressamente o princípio da isonomia ou igualdade, pelo qual a lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais. O princípio da especialidade deverá sempre prevalecer sobre o cronológico porque este está previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 2º).

Uma norma é considerada especial se contiver em sua definição legal os elementos típicos da norma geral e mais alguns (objetivos ou subjetivos), chamados especializantes. Esclarece Maria Helena Diniz que, “se a nova lei apenas estabelecer disposições especiais ou gerais, sem conflitar com a antiga, não a revogará”.[40]

O Código Florestal de 2012 tem como alicerce o direito ambiental, já a Lei de Registros Públicos é o subsistema jurídico de conferência de publicidade a atos vinculados ao direito imobiliário. Foi criada uma matriz ambiental, ou seja, o Cadastro Ambiental centraliza onde as informações ambientais devem residir, de forma eletrônica e pública. Neste aspecto, não há como afastar o rompimento do ordenamento jurídico com relação à gênese da reserva florestal legal que agora nasce com o cadastro. Não obstante, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) é especial com relação à publicidade registral e geral ou residual com relação ao direito ambiental. O Código Florestal de 2012, por sua vez, é especial com relação ao sistema ambiental (cadastro), mas não trata de publicidade nas matrículas dos imóveis, de forma que antinomia ainda reside, sendo esta, assim, real, devendo nos valer de outros critérios para tentar sanar a incompatibilidade.

Analisados os critérios normativos existentes, concluímos que estamos diante de uma antinomia real, de sorte que é preciso ingressar em uma segunda etapa chamada interpretativa, restando-nos investigar o que Norberto Bobbio chama de regra de coerência[41] entre as leis, que não é considerada condição de validade, mas sim condição para a justiça do ordenamento.

3.4 Resolução da antinomia real

Devemos, em face da dinamicidade do direito, nas palavras de Maria Helena Diniz, “redimensionar os valores, mediante a ideologia, baseando-se nas pautas estimativas, informadoras da ordem jurídico-positivo, preferindo uma decisão razoável”.[42] É o processo lógico que poderá ajudar a solução razoável de uma antinomia teleológica, e o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro pode nos ajudar a encontrar o predomínio da finalidade da norma sobre sua letra, fornecendo-nos os critérios hermenêuticos necessários ao entendimento das normas, permitindo corrigir o conflito e chegar numa solução razoável, constituindo-se verdadeira válvula de segurança.[43] A finalidade do novo Código Florestal não foi a de excluir a publicidade registral, mesmo porque é princípio do direito ambiental a informação ampla e irrestrita.[44]

Trata-se a aplicação do processo interpretativo sociológico ou teleológico buscando na norma uma finalidade social, ou a ratio do preceito normativo, determinando, a partir dela, o sentido, o resultado que a norma precisa alcançar com sua aplicação. Miguel Reale leciona que praticamente toda intepretação jurídica tem natureza teleológica fundada na consistência valorativa do direito, não sendo a solução encontrada no isolamento, mas numa estrutura de significações.[45] A lógica do razoável, ensina Maria Helena Diniz, “ajusta-se à solução das antinomias, ante o disposto no art. 5º da nossa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.[46]

O art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disciplina que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. O caráter social da preservação ambiental é de uma evidência cristalina para a correta exegese da antinomia. A reserva florestal legal é um espaço ambiental protegido com proteção constitucional (art. 225, CF), e a função social da propriedade imobiliária, incluída a ambiental, fartamente prevista no ordenamento jurídico (Arts. 5º, inciso XXIII, 170, III, 182 e 186, Constituição, e art. 1.228, § 1º). O fim social é o objetivo máximo de uma sociedade, podendo abranger o útil, a necessidade social e o equilíbrio de interesses. A busca desse fim será o objeto de qualquer aplicado do direito, o propósito da norma jurídica consiste na produção de uma realidade social, dos efeitos desejados em razão de serem valiosos, justos, convenientes e, como ensina Maria Helena Diniz, “adequados à subsistência de uma sociedade”.[47]

O Registro de Imóveis como órgão controlador do direito de propriedade, e tendo em vista uma análise sistêmica, precisa, por espelhar a situação jurídica dos direitos reais, ter como ferramenta a possibilidade de averbação de informações não somente ambiente, mas também urbanísticas, porque suas informações têm eficácia erga omnes através de sua publicidade.

As duas normas podem ser aplicadas. Excluir a averbação da reserva florestal legal no Registro de Imóveis seria reduzir o alcance das informações ambientais, exteriorizando uma afronta ao bem-comum. É preciso ressaltar que, entre duas normas justificáveis, o intérprete deve necessariamente opinar pela que permite uma aplicação do direito com justiça, sabedoria, eficiência e, principalmente, coerência.[48] Quando surge uma antinomia real, a solução deverá ser satisfatória e justa, estando autorizado o aplicador do direito a se socorrer dos princípios gerais de direito e dos valores eminentemente predominantes na sociedade.[49]

Finalmente, é importante consignar a tendência da jurisprudência, administrativa e judicial, no sentido de que a averbação da reserva legal florestal é possível e compatível com o ordenamento jurídico, mesmo com a nova sistemática atotada pelo Código florestal de 2012, que apenas alterou a matriz ambiental com a criação do Cadastro Ambiental Rural, mas não disciplinou a publicidade espaço ambiental que continua no Registro de Imóveis.

Persiste, assim, a obrigatoriedade da averbação da reserva legal no Registro de Imóveis. No entanto, é de se reconhecer a aparente ambiguidade apresentada com a nova legislação. O art. 169 da Lei de Registros Públicos determina que “todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel”,o § 4o do art. 18 do novo Código Florestal, expressamente desobriga da averbação no Registro de Imóveis. O verbo desobrigar não é sinônimo de impedir, de sorte que a averbação da reserva florestal legal prevalece sistema de Registro de Imóveis. Os atos de registro continuam obrigatórios e o novo Código Florestal, a teor do que dispõe o art. 18, desobriga o proprietário de averbar a reserva florestal no Registro de Imóveis e não impede a autoridade ambiental ou qualquer interessado de promover a averbação.

A problemática da conciliação entre o novo Código Florestal e a Lei de Registros Públicos é mais de ordem operacional do que hermenêutica.[50] A questão pode ser resolvida com a qualidade comunicativa entre cadastro e os cartórios de Registro de Imóveis. No Estado de São Paulo, o Provimento nº 36/2013, de 07 de novembro de 2013, bem como sua atualização (Provimento nº 09/2016),[51] procurou conciliar a legislação em vigor, notadamente o novo Código Florestal, com a Lei de Registros Públicos. Foi criada uma comunicação eletrônica direta entre o Cadastro Ambiental e os cartórios de Registro de Imóveis, de forma que as informações ambientais possam migrar para as matrículas dos imóveis direta ou indiretamente, conferindo, assim, a normativa de São Paulo, interpretação que deu um sentido prático para o Código Florestal vigente, reconhecendo o Registro de Imóveis como espelho das informações contidas no cadastro ambiental.

Na sistemática do Código Florestal revogado existia previsão expressa de dupla diligência do proprietário, sendo a primeira no órgão ambiental, que certificava e delimitava a reserva florestal e, posteriormente, no Registro de Imóveis, o que não podemos deixar de reconhecer como rigorosa e excessivamente desgastante, principalmente quando a retificação do registro da área era necessária.[52]

Em uma interpretação sistemática e teleológica, vislumbram-se em alguns artigos do novo Código Florestal ambiguidades ou incompatibilidades que expõem totalmente a confusão operada pelo legislador entre cadastro e registro e justificam a manutenção da publicidade registral. O artigo 30 do Código Florestal reconhece as averbações de reserva florestal constantes do Registro de Imóveis até o momento, permitindo a utilização de referidas informações diretamente no cadastro ambiental; não determina ao menos o cancelamento delas, que seguem produzindo seus regulares efeitos nos termos do art. 252 da Lei nº 6.015/73. Caso o legislador desejasse realmente romper com a comunicação entre cadastro e registro teria não somente revogada a possibilidade de averbação constante do art. 167, II, da Lei de Registros Públicos, mas também teria previsto o necessário cancelamento da averbação de reserva florestal, uma vez migrada a informação ao cadastro. O que ocorreu foi a manutenção dos dois sistemas.

Outro ponto interessante é o que ocorre com o excedente florestal previsto no § 2o, art. 15, ou seja, as áreas preservadas que ultrapassem o mínimo exigido no Código Florestal poderão ser transformadas em servidão ambiental ou cota de reserva ambiental, e ambos os institutos recebem expressa publicidade ambiental pela Lei nº 12.651/2012 (art. 78. Para se utilizar a cota de reserva ambiental, é imprescindível a averbação de sua emissão na matrícula do imóvel).

Em toda norma jurídica há um elemento lógico ou proporcional que pode ser estudado, segundo Miguel Reale, de duas maneiras distintas: “ou em si mesmo, isto é, em seu significado formal; ou em sua ‘correlação dialética como os elementos factuais e valorativos’”.[53] Sem a integração de valores e fatos às normas não podemos chegar a qualquer resultado satisfatório para a compreensão e integração legislativa. O princípio da publicidade ambiental[54] é de interesse público e se confunde com a própria natureza do meio ambiente que é de uso comum do povo (art. 225, Constituição Federal), merecendo ser potencializada de todas as formas possíveis.[55]

O meio ambiente, de acordo com a nova perspectiva social, pode ser considerado princípio geral do direito essencial. Na lição de R. Limongi de França, os princípios essenciais “vem ser aqueles princípios estáveis, que não se transformam, ou não se devem transformar através dos tempos e dos povos, sob pena de desvirtuamento da própria índole do Direito” [56]. As cláusulas gerais possuem a função de permitir a abertura e a mobilidade do sistema jurídico, dotando o sistema interno do Código Civil de mobilidade e mitigando as regras demasiadamente rígidas.[57]

Constatada uma antinomia, o valor do justum deverá sempre lograr entre suas normas que se mostram incompatíveis, devendo-se, como ensina Maria Helena Diniz, “seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública ou social”.[58]  

CONCLUSÃO

O Cadastro Ambiental Rural – CAR configura uma das principais novidades no Código Florestal de 2012 e tem a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento (art. 29).

A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental estadual ou federal que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário.

O Registro de Imóveis cujo aspecto procedimental está previsto na Lei nº 6.015/73 é órgão guardião da propriedade e, por conseguinte, de sua função socioambiental, conferindo publicidade não somente a direitos reais, mas também informações ambientais relevantes.

O Código Florestal de 2012 e Lei nº 6.015/73 configuram uma antinomia jurídica real em razão de não ser solucionada por critérios normativos existentes (hierárquico, cronológico e especialidade). A solução para se estabelecer a coerência do ordenamento deve ser a aplicação do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, buscando-se uma finalidade social e o bem comum.

A interpretação teleológica corrobora para a harmonização entre os dispositivos legais porque elucida a finalidade da criação do Cadastro Ambiental Rural, demonstrando que a averbação do Registro de Imóveis não se mostra incompatível com a sistemática criada, pelo contrário, se coadunando com uma finalidade socioambiental evidente e condizente com a nova concepção do direito de propriedade, não existindo, assim, incompatibilidade com relação à publicidade da reserva florestal legal que nasce com o cadastro ambiental rural, mas pode receber publicidade registral.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2ª edição Tradução de Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2014. Título original: Teoria dell’ordinamento giuridico.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2019.

_____. Conflito de normas. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

_____. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017.

FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Antinomia. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14. ISOLDI FILHO, Carlos A. da Silveira. Conflito real de normas e teoria funcional, MPMJ, jurídico, n. 10.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Tradução João Baptista Machado. Título original: Reine Rechtslehre.

LEMES MACHADO, Paulo Affonso. Direito à Informação ambiental. São Paulo: Malheiros, 2006.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MELO, Marcelo Augusto Santana de. Teoria Geral do Registro de Imóveis. Porto Alegre: Fabris, 2016.

PAPP, Leonardo. Comentários ao novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12). Campinas: Millennium, 2012.

REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 27ª edição.São Paulo: Saraiva, 2017.

SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.

ANEXO

QUADRO COMPARATIVO DA ANTINOMIA ENTRE AS LEIS ANALISADAS

Lei nº 6.015/73Lei nº 12.651/2012
  Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: II – a averbação:   22. da reserva legal (incluído pela Lei nº 11.284/2006);   Art. 169 – Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios.  Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.   § 1º A inscrição da Reserva Legal no CAR será feita mediante a apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, conforme ato do Chefe do Poder Executivo.   § 2º Na posse, a área de Reserva Legal é assegurada por termo de compromisso firmado pelo possuidor com o órgão competente do Sisnama, com força de título executivo extrajudicial, que explicite, no mínimo, a localização da área de Reserva Legal e as obrigações assumidas pelo possuidor por força do previsto nesta Lei.   § 3º A transferência da posse implica a sub-rogação das obrigações assumidas no termo de compromisso de que trata o § 2º.   § 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.   

[1] Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMINAS. Registrador imobiliário em Araçatuba-São Paulo. E-mail: marcelo.mm.melo@gmail.com.

[2] § 8º do art. 16 do Código Florestal, redação dada pela MedProv 2.166-67/2001.

[3] O autor português Carlos Ferreira de Almeida qualifica “os registros públicos como os meios mais perfeitos e evoluídos da publicidade, igualando-os mesmo ao conceito técnico-jurídico de publicidade” (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966, p. 163).

[4] Estão expressamente previstos no art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição Federal e consistem em “áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de todas as diversidades de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais” (SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 160-161).

[5] A CF, ao instituir em cláusula pétrea a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), ao estabelecer a função social das cidades (art. 182) e declarando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), atribuiu ao Registro de Imóveis características que outrora não possuía. Dentre elas, está a necessidade de incorporação do conceito de função social da propriedade e do meio ambiente, percepção claramente observada pelo legislador no Estatuto da Cidade e na legislação ambiental. Nesse aspecto, o Registro de Imóveis tem sido utilizado estrategicamente para potencializar a função social da propriedade.

[6] VA AGUAVIVA, Mariano. El Registro de la Propriedad y Mercantil como instrumento al servicio de la sostenibilidad. Expert córner report. Madrid, 2006. Colégio de Registradores da Espanha para a Agência Europeia de Meio Ambiente, p. 10.

[7] ALVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. Direito imobiliário registral. Madrid: Civitas, 1986. p. 56.

[8] BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis. 9 ed. São Paulo. Saraiva, 1999. p. 09.

[9] Justificativa do projeto que deu origem à legislação, assinado por Ruy Barbosa, Manoel F. de Campos Salles e Francisco Glicerio, acompanhado do decreto de regulamentação, publicação sem página de rosto. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 49.

[10] PICAZO, Luis Diéz; GULLON, Antonio. Sistema de Derecho Civil. Volumen III. Derecho de cosas y Derecho Inmobiliario Registral. 7 ed. Madrid: Ed. Tecnos, 2004. p. 222.

[11]O fornecimento da certidão não pode ser retardado por mais de 5 (cinco) dias (art. 19 da Lei 6.015/73).

[12] GARCIA, Jose Manuel Garcia. Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecário. Tomo I. Madrid: Editorial Civitas, s.d. p. 41.

[13] Sobre o presente tópico Cf. o capítulo sobre a função preventiva de conflitos do registro.

[14] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. p. 163.

[15][15] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. p. 163.

[16] Op. cit., p. 219.

[17] Idem, p. 224.

[18] Se a restrição que incide sobre imóvel for em benefício de interesse público genérico e abstrato, como a estética, a proteção do meio ambiente, a tutela do patrimônio histórico e artístico, existe limitação à propriedade, mas não servidão (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 144)

[19] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11ª edição, São Paulo: Atlas, 2019, p. 166.

[20] DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 321.

[21] Idem. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 90.

[22] O significado de antinomia constante do Dicionário Houaiss é muito interessante: “contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou coerentes, mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou as contradições inerentes ao intelecto humano” (HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019).

[23] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 503.

[24] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Antinomia. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14. ISOLDI FILHO, Carlos A. da Silveira. Conflito real de normas e teoria funcional, MPMJ, jurídico, n. 10.

[25] DINIZ, 2014, p. 31.

[26] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2ª edição Tradução de Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2014, p. 91. Título original: Teoria dell’ordinamento giuridico.

[27] DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 91.

[28] Os critérios serão analisados em capítulo próprio.

[29] DINIZ, op. cit., p. 93.

[30] Idem, Ibidem, p. 91.

[32] “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição;

II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções”.

[33] DINIZ, 2014, p. 53.

[34] Idem, 2017, p. 94.

[35] DINIZ, 2017, p. 88.

[36] Outro indicativo de que não existiu a revogação da Lei nº 6.015/73 pelo novo Código Florestal foi o que ocorreu com a conversão da Medida Provisória nº 571, de 25 de maio de 2012, na Lei nº 12.727, de 13 de outubro de 2012, que, através do art. 83, revogava expressamente o item 22 do inciso II do art. 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. No entanto, o mesmo recebeu veto presidencial cujas razões valem ser transcritas: “O artigo introduz a revogação de um dispositivo pertencente ao próprio diploma legal no qual está contido, violando os princípios de boa técnica legislativa e dificultando a compreensão exata do seu alcance. Ademais, ao propor a revogação do item 22 do inciso II do art. 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, dispensa a averbação da Reserva Legal sem que haja ainda um sistema substituto que permita ao poder público controlar o cumprimento das obrigações legais referentes ao tema, ao contrário do que ocorre no próprio art. 18, § 4o, da Lei no 12.651.”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Msg/VEP-212.htm&gt;. Acesso em: 18 set. 2019.

[37] DINIZ, op. cit., p. 66.

[38] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 292.

[39] “Diante de antinomia aparente de normas, falhando o princípio da hierarquia e o da anterioridade, deve ser aplicado o da especialidade, segundo o qual a norma especial prefere à norma geral” (Superior Tribunal de Justiça, AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 909.936 – AL (2007/0140536-3), Relator Ministro José Delgado. Julgamento de 12 fevereiro de 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=740980&num_registro=200701405363&data=20080303&formato=PDF&gt;. Acesso em: 06 set. 2019.

[40] DINIZ, 2017, p. 95.

[41] BOBBIO, 2014, p. 108.

[42] DINIZ, 2014, p. 102.

[43] Idem. Ibidem, p. 72.

[44] Paulo Affonso Lemes Machado leciona que a informação ambiental “deve ser veraz, contínua, tempestiva e completa”, destacando ou identificando as características da tecnicidade, compreensibilidade e rapidez (LEMES MACHADO, Paulo Affonso. Direito à informação ambiental. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 92).

[45] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 27ª edição.São Paulo: Saraiva, 2017, p. 289.

[46] DINIZ, op cit., p. 72.

[47] DINIZ, 2017, p. 187.

[48] Idem, 2014, p. 72.

[49] Idem, Ibidem, p. 74.

[50] A gratuidade da averbação da reserva florestal no Registro de Imóveis prevista no § 4º do art. 18 da Lei nº 12.651/2012 corrobora para a adoção conciliadora das publicidades.

[51] Disponível em: <https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=112823&gt;. Acesso em: 12 set. 2019.

[52] PAPP, Leonardo. Comentários ao novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12). Campinas: Millennium, 2012, p. 168.

[53] REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª edição. 22ª tiragem: 2018. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 104.

[54] A Declaração do Rio de Janeiro – de 1992 –, em uma das frases do Princípio 10, afirma que “no nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades”. AARHUS, 25 jun.1998. A Convenção foi preparada pelo Comitê de Políticas de Meio Ambiente da Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas. Entrou em vigor em 30 out. 2001.

[55] FRANÇA, R. Limongi. Princípios gerais de Direito. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 201.

[56] Rosa Nery leciona que existe verdadeira interação entre cláusulas gerais e princípios gerais do direito (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 130).

[57] Rosa Nery leciona que existe verdadeira interação entre cláusulas gerais e princípios gerais do direito (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 130).

[58] DINIZ, 2014, p. 53.